Esforço coletivo: impulsionando a mudança sistêmica no setor da soja
Conferência Internacional RTRS 2024 | Sessão 2
A sessão focou nas iniciativas setoriais para a mudança sistêmica, indo além de uma simples resposta à EUDR. Apresentou diversas perspectivas, desde associações europeias de rações até agricultores brasileiros, líderes em certificação e atores globais do comércio de commodities, todos unidos por um objetivo comum: ir além da conformidade e gerar uma mudança duradoura no setor da soja.
Na Conferência Internacional RTRS, “Rumo a uma Transição Regenerativa”,a segunda sessão concentrou-se nas iniciativas setoriais para a mudança sistêmica, indo além de uma mera resposta à EUDR. Proporcionou aos participantes perspectivas sobre os esforços colaborativos dos atores do setor da soja que trabalham para apoiar a transição sustentável da produção de soja.
Moderada pela especialista en sustentabilidade Petra Tanos, a sessão apresentou diversas perspectivas, desde associações europeias de rações e agricultores brasileiros até líderes em certificação e atores globais do comércio de commodities. Seu objetivo comum estava claro: ir além da conformidade e gerar uma mudança sistêmica no setor da soja.
Refletindo sobre a discussão, Petra Tanos destacou: “A conservação deve fazer sentido econômico. Nos meus anos trabalhando no setor da soja, essa foi uma conclusão fundamental: a conservação pela conservação não funciona, a menos que haja um caso comercial sólido por trás dela.” Ela também destacou a importância da paciência e da confiança para fomentar a colaboração, lembrando os participantes de que “a perfeição não deve se tornar inimiga do progresso”.
Um apelo à colaboração
O painel começou com uma introdução de Lukas Vogt, chefe do Departamento Agropecuário do ACT Group, um dos patrocinadores da conferência. Ele descreveu a conferência RTRS como “uma oportunidade única para se conectar com inovadores e atores-chave na cadeia de suprimento agrícola” e enfatizou a importância da colaboração, destacando que “boas práticas garantem o sucesso a longo prazo”. Suas palavras foram otimistas e baseadas no pragmatismo.
Lukas também falou sobre a importância de impulsionar iniciativas sustentáveis em regiões críticas, destacando o Impact Accelerator da ACT no Brasil como um exemplo chave de colaboração eficaz com a RTRS. O programa não só apoia os agricultores das regiões da Amazônia e do Cerrado para alcançar a certificação RTRS, mas também introduz modelos de financiamento inovadores para a agricultura regenerativa.
Durante sua primeira fase, o projeto transformou 55.000 hectares, preservou mais de 3,5 milhões de toneladas de CO₂ equivalente na vegetação das propriedades e certificou 110.000 toneladas de soja RTRS. “Esses números são mais do que simples métricas”, comentou Vogt. “Eles representam um compromisso compartilhado com soluções sustentáveis que geram um impacto real e duradouro no terreno”.
O painel então mudou de foco, aprofundando-se nos detalhes de como o setor da soja está respondendo aos desafios da EUDR.
“Os créditos RTRS desempenham um papel crucial ao energizar o ecossistema, proporcionando o apoio financeiro que as fazendas precisam para implementar práticas sustentáveis, impulsionar a agricultura regenerativa e criar um ambiente saudável para as gerações futuras. Nos últimos 8 anos, compramos mais de 10 milhões de créditos de produtores. Isso ajudou a produzir aproximadamente 1,26 milhão de toneladas de soja por ano sem desmatamento ou conversão de terras, enquanto priorizamos as condições de trabalho responsáveis e as relações comunitárias nas fazendas”, afirmou Lukas.
“Quando visitamos as fazendas, o impacto dos créditos é evidente: podemos ver as mudanças em todo o processo produtivo de primeira mão, tanto em termos de benefícios ambientais quanto na qualidade de vida das pessoas envolvidas”, acrescentou.
“Em última análise, muitas dessas melhorias simplesmente não seriam possíveis sem os investimentos que as fazendas recebem por meio dos créditos RTRS”, concluiu.
Os desafios dos produtores de soja brasileiros
Representando a Aprosoja Mato Grosso do Brasil, uma associação de mais de 8.800 produtores de soja na região, Luiz Pedro Poletti Bier ofereceu perspectivas em primeira mão sobre as realidades da agricultura e do cumprimento em uma região crítica produtora de soja.
“Eu sou agricultor”, começou Bier. “Minha história é incomum. Meu pai era médico, mas eu escolhi me tornar agricultor por opção. Cresci na cidade, mas me conectei com a terra”.
A história de Bier é emblemática dos desafios que os agricultores brasileiros enfrentam hoje. Aproximadamente metade dos membros da Aprosoja MT cultiva menos de 100 hectares de terra, o que os torna pequenos produtores que navegam pelas complexidades da sustentabilidade em meio ao aumento dos custos operacionais. Bier destacou o Soja Legal, um programa que utiliza mapeamento e pesquisas baseadas em dados para ajudar os produtores a melhorar seu desempenho ambiental.
No entanto, ele reconheceu que os incentivos econômicos são fundamentais para alcançar uma mudança significativa. “Atualmente estamos passando por um período em que os custos estão particularmente altos, e os agricultores estão cortando gastos em áreas onde não veem benefícios imediatos”, explicou Bier. “Os produtores e as práticas sustentáveis precisam de incentivos”.
A solução da Aprosoja MT é multifacetada, incluindo o desenvolvimento de um centro de capacitação online para equipar os agricultores com ferramentas para uma melhor gestão das fazendas, boas práticas e conformidade legal. Bier enfatizou que a colaboração em toda a cadeia de suprimento é essencial, mas alertou que os produtores não podem carregar todo o peso. “Está sendo colocado o peso sobre os produtores, e isso não trará bons resultados”.
Financiamento da conservação na cadeia de suprimento
À medida que a conversa se concentrou nas cadeias de suprimento globais, Wei Peng, diretor global de sustentabilidade para Grãos e Oleaginosas da Louis Dreyfus Company (LDC), compartilhou suas perspectivas sobre como os mecanismos financeiros podem apoiar a sustentabilidade.
Roisín Mortimer, gerente global de sustentabilidade e engajamento com as partes interessadas na COFCO International, enfatizou a colaboração. “Como fazemos a colaboração ser eficaz?”, perguntou Mortimer. “Uma coisa de que queremos falar é sobre o financiamento da conservação. Que tipo de produtos podemos desenvolver com o setor financeiro para incentivar práticas sustentáveis?”.
Mortimer destacou a importância de criar oportunidades para discussões significativas e escalar soluções que beneficiem todos os atores. “Os produtores estão no coração da solução”, concluiu. “Suas vozes precisam ser ouvidas, e deve-se abrir espaço para essas conversas críticas”.
Mortimer sublinhou que a RTRS desempenha um papel vital na facilitação dessas conversas, reunindo diversos atores de toda a cadeia de valor. “A RTRS está em uma posição única para atuar como uma ponte entre os produtores, as instituições financeiras e os compradores”, disse. “Fomentando o diálogo e estabelecendo um padrão compartilhado, a RTRS ajuda a garantir que os produtores não sejam apenas incluídos na conversa, mas sejam reconhecidos como centrais para impulsionar a mudança sustentável”, acrescentou.
O papel da certificação
A certificação foi um tema chave, com Olyn San Miguel, gerente de desenvolvimento empresarial na GMP+ International, destacando seu potencial para impulsionar a mudança setorial. “A EUDR nos exige como setor redefinir nossa abordagem à sustentabilidade”, afirmou San Miguel. “Na GMP+, nosso objetivo é elevar o padrão em toda a nossa indústria oferecendo rações sustentáveis globalmente”.
San Miguel destacou a importância das parcerias para alcançar avanços significativos, particularmente através do Módulo de Garantia de Responsabilidade na Alimentação (GMP+ FRA), desenvolvido em colaboração com iniciativas como a RTRS. Ele apontou como a certificação pode promover a sustentabilidade e a rastreabilidade. “Ao longo de mais de 30 anos, aprendemos que a transformação ocorre através de três pilares: transparência, colaboração e melhoria contínua”, observou.
Ele também reconheceu a longa parceria entre GMP+ International e RTRS, que começou em 2013 e foi renovada em 2024. “A RTRS tem sido um parceiro inestimável em nossa missão compartilhada de promover práticas responsáveis de soja”, disse. “Essa colaboração nos permitiu alinhar padrões, melhorar a rastreabilidade e aumentar a disponibilidade de soja certificada nos mercados globais”.
O acordo renovado garante a equivalência entre a certificação GMP+ e o Padrão de Cadeia de Custódia RTRS (GMP+ MI5.1), o que simplifica a adoção de práticas responsáveis de soja para as empresas. “Essa integração oferece o benefício duplo de agilizar os processos de certificação e fornecer acesso a soja certificada pela RTRS, reduzindo custos enquanto se demonstra o compromisso com a sustentabilidade”, acrescentou San Miguel.
O compromisso da BFA com a soja sustentável
Katrien D’hooghe, diretora-geral da Associação Belga de Rações (em inglês, Belgian Feed Association -BFA) compartilhou suas perspectivas sobre o avanço da sustentabilidade no setor de rações. Representando 96% do mercado belga de rações, a BFA assumiu um papel de liderança, comprometendo-se com um padrão de soja 100% livre de desmatamento, verificado por meio de auditorias independentes.
“Desde o início, decidimos nos concentrar na soja e seus subprodutos como fonte de proteína de alta qualidade, mas com preocupações sobre o possível desmatamento”, explicou D’hooghe. Para apoiar esse compromisso, a BFA compra mais de meio milhão de créditos anuais em nome de seus membros, com o objetivo de alcançar uma cobertura completa de créditos até 2030.
D’hooghe também delineou a estratégia da BFA para garantir o cumprimento de regulamentos futuros, como a EUDR, que pode ser adiada por um ano. “A EUDR servirá como uma base legal centrada no desmatamento, mas não abordará todos os aspectos de sustentabilidade cobertos pelos certificados de soja responsável”, disse. “Para os membros da BFA, a compra de créditos de soja sustentável continuará sendo necessária para lidar com uma gama mais ampla de questões de sustentabilidade além do desmatamento.”
Além disso, a compra coletiva de certificados de soja responsável pela BFA garante que todo o mercado belga esteja coberto com soja 100% livre de desmatamento, conforme demonstrado por um estudo do grupo de pesquisa holandês Profundo. A participação na compra coletiva é obrigatória para todos os membros da BFA e é verificada de forma independente.
Desde o início, a BFA estabeleceu o objetivo de cobrir todo o mercado doméstico belga com créditos de soja sustentável. O que torna essa estratégia única é que a BFA, como organização, compra esses créditos em nome de todos os seus membros, tornando a compra coletiva. Essa estratégia promove a colaboração entre os membros e elimina a competição, permitindo que eles escalem e tenham um impacto real na cadeia de suprimento.
O sistema é controlado de forma independente, e a BFA é certificada pelo GMP+, o que ajuda a demonstrar credibilidade e transparência para as partes envolvidas. Desde 2009, a BFA tem aumentado constantemente sua compra anual de créditos de soja sustentável. Hoje, compra mais de meio milhão de créditos por ano, superando o consumo doméstico de produtos de origem animal na Bélgica.
“Estamos trabalhando nesse tema há bastante tempo e continuaremos fazendo isso”, acrescentou D’hooghe. Até 2030, a BFA tem como objetivo cobrir 100% da soja e dos subprodutos de soja utilizados no setor de rações belga com créditos sustentáveis, de acordo com as Diretrizes de Abastecimento de Soja da FEFAC.
No entanto, assim como outros palestrantes, D’hooghe reconheceu os desafios apresentados pelos custos. “A segregação custa muito dinheiro, mas faz pouca diferença no campo”, observou. “Se a Europa tivesse optado por um sistema de créditos 100%, poderia ter tido um impacto muito maior.”
Quem paga pela sustentabilidade?
Durante a sessão de perguntas e respostas, um membro da audiência fez uma pergunta crucial: “Como convencer os compradores a se sentarem à mesa?” D’hooghe respondeu: “Abordar essa questão exige colaboração ao longo da cadeia de suprimento, onde os custos devem ser compartilhados por todas as partes envolvidas, garantindo que nenhuma parte sofra toda a carga financeira.”
Os palestrantes deixaram a audiência com um senso de otimismo e urgência. Como apontou Mortimer, “Estamos em um momento crítico, mas com colaboração e inovação, o setor da soja pode se tornar um modelo de práticas sustentáveis em todas as commodities.”
Refletindo sobre a discussão, Petra Tanos enfatizou: “A conservação deve ter sentido econômico. Nos meus anos de trabalho no setor de soja, essa tem sido uma lição fundamental: a conservação pela conservação não funciona, a menos que haja um sólido caso comercial por trás disso.” Ela também destacou a importância da paciência e da confiança para fomentar a colaboração, lembrando os participantes de que “a perfeição não deve se tornar o inimigo do progresso.”
As discussões da conferência da RTRS destacaram que, embora o cumprimento da EUDR apresente desafios, também cria oportunidades para uma mudança transformadora. Por meio de financiamento inovador, sistemas de certificação sólidos e colaboração entre os setores, o setor da soja está pavimentando o caminho para um futuro mais sustentável.