16 dezembro, 2024

EUDR: Um panorama em mudança para a soja

Conferência Internacional RTRS 2024 | Sessão 1

Na Conferência Internacional RTRS 2024, especialistas de todo o mundo se reuniram para examinar os desafios e as oportunidades colocados pela EUDR. Desde as implicações para os relatórios de sustentabilidade até o alinhamento das cadeias de suprimentos globais, esta sessão destacou o papel crucial dos marcos regulatórios e dos padrões voluntários para alcançar uma soja livre de desmatamento.

A Regulação sobre Produtos Livres de Desmatamento da UE (EUDR), que visa reduzir o desmatamento global relacionado às cadeias de suprimento de commodities, incluindo soja, óleo de palma, carne bovina, café e cacau, sofreu um adiamento. O Conselho chegou a um acordo provisório com o Parlamento Europeu sobre uma proposta de emenda direcionada à EUDR, adiando sua data de aplicação em 12 meses.

A nova legislação é uma parte fundamental do Green Deal da UE e foi desenvolvida para abordar diretamente o impacto das cadeias de suprimentos europeias nas áreas florestais. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) estima que 420 milhões de hectares de florestas — uma área maior que a da UE — foram perdidos entre 1990 e 2020 devido ao desmatamento. O consumo da UE representa cerca de 10% do desmatamento global, com o óleo de palma e a soja representando mais de dois terços desse valor.

Para o setor global da soja, um participante crítico nessas cadeias de suprimento, os efeitos desse adiamento estiveram em destaque na Conferência Internacional RTRS 2024, realizada nos dias 19 e 20 de novembro em Ghent, Bélgica. A Sessão 1, “O panorama regulatório emergente para a soja”, reuniu especialistas e partes interessadas para explorar como a indústria está se adaptando e prosperando em meio a regulamentações mais rigorosas.

Entendendo a EUDR

Este regulamento exige rastreabilidade e transparência rigorosas por parte das empresas, obrigando-as a realizar a devida diligência para confirmar que seus produtos vêm de fontes sustentáveis e livres de desmatamento. Inicialmente previsto para entrar em vigor em 2024, a EUDR foi adiada por 12 meses para dar mais tempo para as empresas se prepararem e se alinharem aos complexos requisitos.

Embora esse adiamento ofereça algum alívio para todos na cadeia de valor da soja, ele também destaca os desafios de implementar uma legislação tão abrangente. Como moderadora da sessão, Melanie Faithfull Kent, CEO da Team Farner, expressou de forma concisa: “A diferença entre conformidade e convicção é o que estamos explorando. Como as empresas usarão este ano adicional para se preparar, e agirão com a urgência e convicção exigidas pela situação?”

Melanie também enfatizou que este é um momento chave não apenas para as empresas, mas para a sociedade como um todo: “Como consumidores, devemos reconhecer que os custos de nossas escolhas, seja para o meio ambiente ou os produtores, são reais. É hora de todos adotarmos uma abordagem mais sustentável que reflita o verdadeiro custo do que compramos.”

Estabelecendo o cenário: um chamado à ação decisiva

Ao iniciar a discussão do painel, Antonie Fountain, Diretor da Voice Network, definiu um tom claro e firme para a sessão. Aproveitando décadas de experiência em setores como café e cacau, Fountain destacou a importância de ir além das iniciativas voluntárias para adotar compromissos vinculativos. “Durante anos, os esforços voluntários lançaram as bases, mas precisamos ampliar o impacto. É hora de tornar esses compromissos acionáveis e mensuráveis”, enfatizou.

Fountain destacou a importância de ir além das boas intenções, sublinhando a necessidade crítica de regulamentações como a EUDR. “Esta regulamentação é um ponto de inflexão. As novas regulamentações exigem uma abordagem mais estratégica e coletiva por parte das empresas. Este é o momento para se unirem e assumirem um papel ativo na transformação do setor, alinhando-se às expectativas do mercado e da sociedade em termos de sustentabilidade”, acrescentou.

A mensagem de Fountain foi clara: as empresas precisarão ser mais responsáveis em suas práticas de sustentabilidade. “Com essas regulamentações em vigor, as empresas precisarão relatar suas ações de forma regular e confiável. Essa mudança não se trata apenas de cumprir; trata-se de refletir verdadeiramente o compromisso com a sustentabilidade”, concluiu.

Fountain também destacou a interconexão da EUDR com outras iniciativas da UE, como a Diretiva de Informação sobre Sustentabilidade Corporativa (CSRD). Esta começou sua implementação em fases em 2024 e se estenderá para pequenas e médias empresas (PMEs) listadas em bolsas de valores até 2027, e a Diretiva de Reivindicações Verdes. A CSRD exige que as empresas divulguem informações detalhadas sobre seus impactos ambientais e sociais, enquanto a Diretiva de Reivindicações Verdes visa combater o greenwashing padronizando as alegações sobre sustentabilidade. Essas regulamentações, coletivamente, elevam o nível de responsabilidade, exigindo ações substanciais por parte das empresas.

Transparência e duplo impacto

Expandindo sobre o papel da CSRD, Bernhard Frey, Gerente Técnico de Relatórios de Sustentabilidade da EFRAG, sublinhou a necessidade crítica de relatórios de sustentabilidade relevantes e comparáveis. “Isso não deve ser um exercício de marcar caixas”, observou Frey. “As empresas devem usar isso como uma ferramenta para a mudança, produzindo informações úteis para a tomada de decisões para uma ampla gama de públicos.”

Ele introduziu o conceito de “dupla materialidade”, onde as empresas avaliam não apenas seus impactos ambientais e sociais, mas também os riscos que os problemas de sustentabilidade representam para seus negócios e, por exemplo, seu desempenho financeiro. “Se uma empresa consome água, isso pode afetar a disponibilidade de água e impactar o meio ambiente e as comunidades locais. Ao mesmo tempo, as operações da própria empresa podem ser afetadas, por exemplo, pela futura escassez de água nesse mesmo local ou por regulamentações mais rigorosas, o que apresenta riscos para a empresa. Os impactos e riscos estão frequentemente interconectados”, explicou Frey. Ele recomendou que as empresas realizem avaliações robustas de materialidade e destacou a necessidade de avaliar tanto os impactos, riscos e oportunidades em suas cadeias de suprimento, tanto a montante quanto a jusante.

Enfoque do Reino Unido: alinhamento e incerteza

De uma perspectiva do Reino Unido, Duncan Brack, pesquisador independente e assessor da Tropical Forest Alliance, discutiu os paralelismos e divergências entre o enfoque regulatório do Reino Unido e a EUDR. “Temos nossa própria versão da EUDR no Reino Unido, que em alguns aspectos é mais ampla e em outros mais estreita. Mas os detalhes ainda estão pouco claros”, disse Brack, fazendo referência aos atrasos na implementação das disposições relacionadas ao desmatamento em sua Lei do Meio Ambiente.

A maioria das empresas do Reino Unido, observou ele, prefere se alinhar à EUDR para reduzir a fricção comercial. No entanto, a incerteza política, incluindo os atrasos causados pelas recentes eleições, deixou o panorama regulatório do Reino Unido suspenso. “A legislação secundária que cobre commodities como a soja foi adiantada, mas estagnou antes da aprovação parlamentar”, explicou Brack. “A indústria ainda aguarda clareza.”

Um ponto positivo no contexto do Reino Unido é o Soy Manifesto, uma iniciativa liderada pela indústria que defende uma soja livre de desmatamento. Brack destacou a importância de tais esforços voluntários para complementar as medidas regulatórias, especialmente na ausência de legislação finalizada.

Enfoque impulsionado pelo desenvolvimento da China

Wei Si, Decano da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Agrícola da China, trouxe uma dimensão global ao painel ao discutir as implicações dessas mudanças regulatórias para a China, um dos maiores importadores e produtores de soja do mundo. Wei explicou que o enfoque da China em relação à agricultura está intimamente ligado aos seus objetivos de desenvolvimento mais amplos.

“Como país cujo sistema agrícola está mudando de lidar com a fome para lidar com a sobrealimentação, nossas estratégias para uma agricultura sustentável estão entrelaçadas com nossos objetivos de desenvolvimento mais amplos”, disse Wei. Ele destacou que a China está revisando ativamente seus métodos agrícolas para se alinhar à sustentabilidade, enquanto garante o crescimento econômico.

Essa perspectiva destaca a natureza interconectada dos mercados globais de soja, onde regulamentações em uma região inevitavelmente influenciam as práticas em outras. À medida que a China trabalha para equilibrar seus objetivos de desenvolvimento com a gestão ambiental, a EUDR pode ser um catalisador para uma mudança mais ampla nas práticas agrícolas globais.

Harmonização de regulamentações e padrões voluntários

Karin Kreider, Diretora Executiva da ISEAL, concentrou-se na interseção entre a regulamentação e os padrões voluntários. Reconhecendo o potencial transformador da EUDR, Kreider sublinhou que os sistemas de certificação voluntária, como o RTRS, ainda têm um papel crítico a desempenhar, mesmo com a entrada em vigor da legislação obrigatória.

“Os marcos regulatórios são fundamentais para gerar uma mudança em grande escala. No entanto, não podemos subestimar a importância dos sistemas de certificação voluntária como um catalisador adicional. A interoperabilidade entre os dois sistemas é crucial”, concluiu Kreider.

Este evento sublinhou o papel fundamental da sustentabilidade na soja, mas também a importância do alinhamento global. Com mais desafios regulatórios no horizonte, o trabalho colaborativo será essencial para garantir um futuro mais sustentável para a indústria.

Desafios e oportunidades para a indústria

Durante a sessão de perguntas e respostas, os participantes levantaram questões cruciais sobre o impacto da EUDR nos produtores e os custos da cadeia de suprimentos. Um participante perguntou se a segregação da soja, como exigido pela UE, é viável e quem assumiria os custos associados, sugerindo possíveis impactos inflacionários. Fountain destacou a importância de uma abordagem colaborativa para garantir que esses custos sejam compartilhados de forma equitativa entre consumidores, produtores e o meio ambiente, sem sobrecarregar desproporcionalmente nenhum grupo.

Outro membro da audiência perguntou como a indústria deveria usar o ano adicional concedido pelo atraso da EUDR. Duncan Brack destacou a necessidade de melhorar os sistemas de diligência devida, pois muitos desafios foram identificados durante os testes piloto, e de preparar as partes interessadas (empresas, governos) para concordar com padrões compartilhados de rastreabilidade e melhores práticas.

Enquanto isso, Karin Kreider ressaltou a importância de manter altos padrões durante esse período para evitar uma “corrida para baixo”, onde os esforços para reduzir custos ou agilizar processos possam minar os objetivos de sustentabilidade e erodir a credibilidade: “Os Padrões de Sustentabilidade Voluntários (VSS) têm estado na vanguarda da sustentabilidade por décadas. À medida que as regulamentações reconfiguram o panorama, o valor desses sistemas reside em sua capacidade de inovar, colaborar e construir experiência ao longo da cadeia de suprimentos. Trabalhando juntos, os padrões voluntários e as regulamentações podem catalisar impactos significativos e duradouros para as pessoas, as empresas e o planeta”.

RTRS e um padrão alinhado à EUDR

Em meio aos desafios e incertezas, a conferência destacou como o RTRS está preparando proativamente seus stakeholders para o cenário regulatório em evolução. Neste evento, o RTRS apresentou o Padrão da Cadeia de Custódia e o novo módulo, ‘Modelo Opcional IV: Requisitos para Alinhamento com a EUDR’, projetado para ajudar as empresas a atender aos requisitos de diligência devida da regulamentação europeia.

O desenvolvimento do Modelo Opcional IV, que oferece duas opções —EUDR RTRS Segregação ou EUDR RTRS Mix — aborda os requisitos de diligência devida da EUDR, fornecendo às empresas ferramentas para atender às exigências de conformidade do mercado internacional, ao mesmo tempo em que apoia a sustentabilidade por meio da incorporação de volumes RTRS. A certificação RTRS oferece uma solução ao documentar a origem da soja certificada e rastreá-la através das instalações certificadas sob a Cadeia de Custódia RTRS.

Ao final da sessão, os palestrantes deixaram uma mensagem clara ao público: embora o caminho à frente possa ser complexo, a EUDR oferece uma oportunidade para alinhar as atividades econômicas com a sustentabilidade ambiental. Ao aproveitar essa regulamentação como um catalisador de mudanças, o setor de soja pode desempenhar um papel crucial na proteção das florestas e ecossistemas do planeta.

No entanto, não será apenas o cumprimento obrigatório que impulsionará essa transformação. Iniciativas voluntárias, como a certificação RTRS, continuam a desempenhar um papel fundamental na elevação dos padrões de sustentabilidade e no fomento à colaboração em toda a indústria, garantindo que o progresso vá além da letra da lei para criar um impacto positivo e duradouro.

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