Soja como pioneira na regeneração
Conferência Internacional RTRS 2024 | Sessão 3
Especialistas do Brasil e da Argentina compartilharam experiências e avanços em práticas de agricultura regenerativa, destacando o papel da soja na restauração do solo e na conservação dos ecossistemas, ao mesmo tempo em que propuseram uma colaboração mais ampla para superar os desafios relacionados às mudanças climáticas e à degradação ambiental.
Diante das crescentes preocupações com as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e a degradação do solo, a agricultura regenerativa surgiu como um poderoso modelo para a agricultura sustentável.
É um conceito que vai além de reduzir danos — busca restaurar ecossistemas, melhorar a saúde do solo e criar resiliência nos sistemas agrícolas. Durante a Conferência Internacional RTRS em Ghent, na Bélgica, essa visão para o futuro da produção de soja foi o foco central. Ao longo de duas sessões da tarde, produtores, pesquisadores e líderes corporativos apresentaram um roteiro de como a indústria da soja pode se tornar líder global na agricultura regenerativa.
O tema da conferência, “Rumo a uma transição regenerativa”, capturou perfeitamente a ambição das discussões. Os palestrantes e participantes exploraram como a soja pode não apenas se adaptar às demandas de um mundo em transformação, mas também estabelecer o padrão para práticas regenerativas em toda a indústria agrícola.
Agricultura regenerativa desde a base
A Sessão 3, intitulada “Agricultura regenerativa: perspectivas do campo”, foi introduzida por Gisela Introvini, da Fapcen, Patrocinador Ouro da Conferência RTRS, e moderada por Ana Laura Andreani, Gerente da Unidade Técnica da RTRS. Ela focou na agricultura regenerativa em nível de campo, com produtores e pesquisadores compartilhando percepções práticas e inovações para demonstrar como o cultivo de soja pode contribuir para a restauração ambiental.
“É excelente ter a oportunidade de contar com um painel tão experiente compartilhando seus aprendizados e principais resultados. Há muito conhecimento em nossos países e precisamos transformá-lo em mais ações”, concluiu Ana.
Como parte da apresentação da Fapcen, Gisela Introvini apresentou um vídeo que destacou três propriedades certificadas pela RTRS apoiadas pela Fapcen, reconhecidas pela principal mídia agrícola do Brasil, o Canal Rural, como fazendas sustentáveis. “Isso reflete o que pode ser alcançado quando os produtores trabalham pelo bem coletivo e pelo desenvolvimento de uma região”, destacou Introvini.
“Para a Fapcen, a certificação RTRS, realizada por sua equipe em propriedades rurais no Maranhão e no Piauí, atua como um catalisador para o desenvolvimento regional nos Cerrados do Nordeste brasileiro. Esse sucesso é resultado do profissionalismo dos produtores rurais em práticas de conservação do solo que garantem a agricultura regenerativa, com sequestro de carbono no solo em cultivos como soja e milho, alternados com gramíneas e pecuária. Além de minimizar riscos agrícolas, essas práticas ajudam a reduzir disparidades sociais ainda presentes na região e a preservar a biodiversidade dos biomas (Cerrado, Amazônia e Caatinga). Ao mesmo tempo, a Fapcen enfatiza o trabalho dos produtores em projetos sociais junto a cidades e comunidades, oferecendo cursos, treinamentos e fomentando melhorias na qualidade de vida para todos”, afirmou Introvini.
Sebastián Malizia, Diretor Executivo da Fundación ProYungas, na Argentina, abriu o debate destacando a importância da conservação na agricultura regenerativa. Referindo-se à apresentação principal de Elkington, ele pediu que o setor abrace o desconforto e colabore além das divisões ideológicas para impulsionar mudanças.
“Quando falamos de conservação a longo prazo, devemos fazer isso com os produtores”, disse Malizia. Ele apontou a campanha 30×30, que visa proteger 30% das terras e oceanos do planeta até 2030, como um exemplo de um objetivo ambicioso que exige ação coletiva. Ele ressaltou que os produtores de soja frequentemente possuem áreas florestais significativas que são fundamentais para a biodiversidade e o sequestro de carbono. No entanto, essas contribuições raramente são valorizadas.
“Os produtores estão fazendo esforços extraordinários para transformar suas práticas, mas isso precisa se refletir no valor desses esforços”, afirmou Malizia. Ele também pediu à indústria que simplifique suas abordagens para tornar a agricultura regenerativa mais acessível, alertando contra a complexidade como barreira ao progresso.
Para Roberto Acauan, Diretor de Vendas da SLC Agrícola, no Brasil, a agricultura regenerativa não é apenas um conceito teórico, mas uma realidade prática. Operando 23 fazendas em sete estados brasileiros, a SLC implementou práticas como plantio direto, cultivos de cobertura e soluções de agricultura digital para aprimorar a sustentabilidade.
Acauan compartilhou resultados impressionantes dessas práticas, incluindo uma redução de 27% no consumo de combustível graças à agricultura de precisão e reduções significativas no uso de fertilizantes, devido às tecnologias avançadas de mapeamento. A SLC também converteu 15% de sua proteção de cultivos em medidas biológicas, reduzindo a dependência de insumos químicos. Destacou-se, ainda, a aplicação localizada de pesticidas, que gerou uma economia substancial de R$ 82 milhões, com 64% da redução dos custos de proteção de cultivos alcançados apenas na safra 2023/24.
“Queremos proteger o planeta e produzir de forma sustentável”, afirmou Acauan, enfatizando que essas inovações melhoraram tanto os resultados ambientais quanto a eficiência operacional.
Ele também detalhou como a empresa incorpora princípios regenerativos, como a rotação de cultivos de cobertura para repor os nutrientes do solo e o uso de ferramentas digitais para monitorar a fertilidade das plantas e otimizar o uso de fertilizantes. A SLC também aproveitou tecnologias de mapeamento para aplicar herbicidas de forma mais eficaz, alcançando uma redução notável de 72% em seu uso.
A questão de como medir a regeneração do solo foi abordada no painel por Marcelo Beltrán, pesquisador do Instituto de Solos do INTA Castelar, na Argentina. Beltrán explicou que métricas como os níveis de carbono no solo, a biodiversidade e a respiração do solo são fundamentais para avaliar o progresso. As equipes do INTA realizaram experimentos de campo em toda a Argentina para avaliar o impacto das práticas regenerativas na saúde do solo.
Ele destacou a escala do desafio na Argentina: “No nosso país, existem muitas áreas degradadas, com cerca de 100 milhões de hectares afetados. Por isso, é essencial explorar métodos de produção mais sustentáveis que possam regenerar essas áreas”.
Beltrán observou que ferramentas como cultivos de cobertura estão sendo cada vez mais adotadas por produtores, especialmente na região dos Pampas Norte, bem como no Noroeste e Nordeste da Argentina. “Atualmente, cerca de 15% dos produtores utilizam essas técnicas, que já demonstraram benefícios significativos na melhoria da qualidade física e química do solo”, disse.
Beltrán explicou, além disso, que as práticas regenerativas, como a rotação de culturas e a redução do preparo do solo, não apenas melhoram a qualidade do solo, mas também são cruciais para o futuro da agricultura argentina.
Concluiu reiterando a necessidade de um manejo sustentável da soja com maior aporte de carbono e biodiversidade, enfatizando que “a captura de carbono no solo tem um grande potencial na Argentina, e essas práticas precisam ser mais amplamente adotadas para enfrentar a degradação do solo e garantir a produtividade agrícola a longo prazo”.
Por fim, o Dr. João Carlos Moraes Sá, pesquisador sênior da Universidade Estadual de Ohio, complementou os insights de Beltrán, discutindo o potencial dos sistemas de plantio direto em transformar o solo em um sumidouro de carbono. “Os sistemas de plantio direto com sequestro de carbono, baseados no aporte de biomassa, podem ser uma forma essencial de desenvolver abordagens agrícolas regenerativas e ambientais”, explicou Sá.
Apesar da promessa desses sistemas, Sá observou que atualmente apenas 0,205 mil milhões de hectares (Mha), o que representa 12,9% do total de 1,59 Mha da produção anual mundial de culturas, adotam práticas de agricultura de conservação. Ele fez um apelo para um esforço global para ampliar esses métodos, destacando os benefícios interconectados para a saúde do solo, a biodiversidade e a mitigação das mudanças climáticas.
A Sessão 3 reafirmou o compromisso do setor agrícola com a sustentabilidade e a regeneração dos ecossistemas. Por meio de exemplos práticos e avanços inovadores, os painelistas destacaram como a soja pode desempenhar um papel fundamental na transição para a agricultura regenerativa, promovendo a conservação do solo, a biodiversidade e a redução das emissões de carbono. A colaboração e o intercâmbio de conhecimento entre produtores e especialistas são essenciais para enfrentar os desafios ambientais e garantir um futuro mais sustentável para a agricultura.